O primeiro mês do ano começou atropelando – literalmente – muita gente. A surpreendente saída da Ford do mercado brasileiro pegou a todos de surpresa. No final do ano passado, a Mercedes Benz também já havia encerrado as operações no país. Pablo Di Si, presidente da Volkswagen na América Latina, disse numa live para o Valor Econômico que o setor retrocedeu, em 2020, quase duas décadas em termos de vendas e produção.
De fato, não bastasse a queda na produção/vendas em torno de 20% em 2020, o setor convive com desafios enormes como alta carga tributária, a troca de propulsores à combustão por híbridos ou mesmo os totalmente elétricos; a chegada de carros autônomos; mudança na essência do “produto carro” para o “serviço carro”; concorrência acirrada; legislação trabalhista; questões ambientais e assim por diante. Por aqui, enquanto esses entraves puxam o freio de mão do setor, na Europa, a Honda pisa no acelerador e promete disponibilizar seus principais modelos com motor elétrico já no ano que vem. A iniciativa estava prevista para 2030 e depois foi antecipada para 2025. Agora, a previsão é 2022.
Nessa linha, nosso cientista-chefe, professor Silvio Meira, já alertava, no final do ano passado, para alguns impactos que vamos experimentar não só nas montadoras mas na indústria de um modo geral. Para ele, as coisas conectadas, vão mudar a fábrica que terá que lidar com seus produtos como serviços. “A fábrica que só faz produtos e envia para um distribuidor ou direto para um varejista é o passado da fábrica”, sentencia. O futuro da indústria está no espaço físico aumentado pelo digital, orquestrado pelo social e em tempo (quase) real.
A fábrica “figital” sai do prédio analógico e ganha o mundo. Além das coisas, cujas conexões não só entre si mas com a fábrica, são óbvias; as pessoas, de dentro e de fora da indústria começam a ser conectadas em redes e orquestrar essa dinâmica. “Uma das ideias por trás dos modelos de negócios C2M [client-to-manufacturer] é trazer dados dos clientes e a partir daí, gerar insights sobre produtos novos ou atuais”, observa.
Meira defende que mais que “só” conectar produtos, as plataformas digitais da fábrica figital conectam tudo. Têm o potencial de fazer da fábrica o sistema operacional não só dos seus produtos, mas do contexto no qual eles são usados. Mais do que olhar para esse cenário e possibilidades como processo industrial, como é típico no pensamento fabril [especialmente no Brasil], a indústria deveria pensar seriamente em como usar as possibilidades combinadas da internet das coisas e das plataformas digitais para criar, operar, manter e evoluir ecossistemas digitais. E a indústria automotiva não é exceção.
Até porque, segundo ele, a transformação de produtos em serviços é óbvia, como imaginação, mas extremamente complexa como transformação. Só que é, ao mesmo tempo, inevitável como futuro, e de imenso potencial como negócio. Nesta década, o motorista de carros autônomos não é um produto, mas um serviço, com assinatura e pagamento, recorrente, mensal.
Na fábrica figital do carro, há um digital twin do veículo que ela própria dirige, faceta de negócio que vai gerar suas maiores margens, porque o carro, a lata, é só o suporte para performance, para a mobilidade conectada, onde tudo é software. Aliás, tudo é software – como serviço, que cria resultados para os clientes – em todas as fábricas. “Indústrias que não entenderem isso vão ter dificuldade para sobreviver já na primeira metade desta década e, principalmente, depois”, conclui.
