Contexto mutante, pressão para evoluir e se transformar frente a rupturas que desafiam a norma e demandam inovação, especialmente estratégica, para mudar comportamentos e transformar modelo de negócio. Esse é o cenário das empresas, nos mercados, hoje.
Inovação é a mudança de comportamento de agentes, no mercado, como fornecedores e consumidores de qualquer coisa. Uma antiga definição de Peter Drucker, quase uma lei universal. Ninguém inova porque gosta, é bonito ou porque outros estão inovando e é preciso imitá-los. Nem ninguém põe o foco de nenhum negócio em inovação, pois ela é meio, e não um fim em si.
Empresas inovam para sobreviver. Inovação, continuada, com pessoas e recursos permanentes, em qualquer negócio, deveria ser um dos ritos mais bem estabelecidos de qualquer negócio, parte fundamental de seu repertório.
Nesse texto tratamos da definição de cenários para inovação, aqui percebidos como pontos de partida para encontrar pessoas e, a partir delas, identificar oportunidades para propor produtos ou serviços inovadores.
os lugares
Um cenário para inovação é antes de tudo um lugar, ponto de partida para encontrar pessoas.
O lugar não pode ser delimitado apenas pelo espaço físico. Muito mais que isso, é um ponto de referência que orienta, no espaço-tempo, os olhares que identificarão as pessoas que, como agentes, apontarão as oportunidades para inovação mais tarde.
Um lugar pode ser tão simples quanto a praça na frente do negócio, frequentada por uma centena de pessoas. Ou tão complexo quanto uma plataforma de rede social digital ou um jogo online frequentado por milhões de pessoas. Ou a combinação dos três. O lugar é por princípio delimitado no espaço-tempo, contextual e rico em experiências, das pessoas que o habitam.
A escolha de um lugar como ponto de partida para inovação pode se dar por dois caminhos: um, mais controlado, quando escolhemos um lugar conhecido e mais próximo do negócio; outro, mais ousado, quando escolhemos um lugar totalmente desconectado do negócio. Claro que há muitos lugares entre tais limites: o mundo não é binário, tampouco seu negócios, muito menos inovação.
O primeiro caminho é de continuidade; nele, muitos agentes e seus comportamentos já nos serão familiares. No segundo, o lugar mais desconectado ao negócio, faz sentido quando se deseja uma ruptura maior no que fazemos agora. Lugares sem quase nenhuma conexão com o negócio e seu modus operandi costumam trazer para o contexto pessoas com as quais ainda não lidamos e apontar oportunidades que nunca tratamos, nem trataríamos, se continuarmos imersos no cenário ao qual estamos acostumados. Em tempos de ruptura, é essencial pensar em cenários de ruptura.

as dimensões
delimitando o cenário: estamos no figital
Se um cenário para inovação é um espaço, onde o negócio encontra pessoas, quais as dimensões que definem o lugar onde vamos trabalhar? Antes da revolução digital e, principalmente, antes das redes digitais, a dimensão do cenário do inovação se confundia com a do espaço físico ao redor da empresa, ou ao seu alcance de alguma forma.
Há uma distinção, lá no passado, que importa aqui: a que existe entre os lugares e os não-lugares. Augé diz que os segundos são espaços transitórios por onde as pessoas passam anonimamente e com os quais não têm relação ou identificação. Aí estão, segundo ele, os aeroportos e shopping centers, enquanto a casa e a escola são lugares.
Hoje há um novo espaço, onde a dimensão física é habilitada, estendida, modificada e aumentada por uma dimensão digital, com estas duas sendo relacionadas, articuladas e orquestradas por uma dimensão social. É como se cada uma das dimensões deste novo espaço fosse –e é- um espaço em si, e as três, em conjunto, criassem um espaço figital.
Como a performance de pessoas depende, cada vez mais, de infraestruturas e serviços existentes e providos por plataformas digitais e sociais, é quase impossível imaginar um cenário para inovação que tenha uma dimensão física “pura”. Até os projetos e construção dos lugares de Augé incluem de conectividade digital ampla para possibilitar, no espaço físico, a conjunção com as dimensões digital e social.
Ao tratar dos cenários de inovação nas instituições, é inevitável considerar as três dimensões do espaço, sempre, quando tratamos de geografia, história e cultura, como vamos fazer agora.

a geografia
localizando o cenário: figital
O ambiente de inovação, como localidade figital, deve ser entendido de maneira paulatina e incremental, o que compreende dos caminhos que levam a ele até às condições climáticas. E, sim, mesmo que o negócio esteja na dimensão digital do espaço competitivo, [streaming puro é um exemplo], o clima pode influenciar, por exemplo, na sugestão de música no contexto.
Ao definir de um cenário, conhecer o entorno no qual o ambiente está inserido é a base para entender os fluxos de pessoas, informação e suas conexões, descobrir e discutir as origens e destinos de quem –ou do que, lembre-se das coisas, conectadas- frequenta o ambiente.
O ambiente é um lugar e suas qualidades, como condições climáticas. O clima, por exemplo, ajuda a entender muitos dos hábitos e comportamentos e das pessoas e suas relações com o lugar. E o tempo importa: em janeiro, a beira mar é uma em 59°19′N 18°4′E e outra, muito diferente, em 8°3′S 34°54′W. Limitações impostas pelo frio e calor intensos ou o conforto das temperaturas amenas definem muitas possibilidades de inovação, inclusive para streaming.
Geografia é parte do ambiente na definição do cenário. Não só longitudes, latitudes, altitudes, mas endereços IP, seus conteúdos e redes sociais informam sobre as pessoas e podem nos ajudar a inferir oportunidades para inovação completamente distintas, desejos geolocalizados, talvez hiperlocalizados. O que seria dos caminhos sem smartphones, GPS e mapas digitais?
Nesse ponto do documento, um cenário é a composição do ambiente e suas características geográficas, levando em conta que a nossa geografia é figital: física, digital e social.

a história
entendendo o cenário
O passado pode revelar características do ambiente que não são perceptíveis no presente. Muitas vezes, os hábitos e comportamentos observados na dinâmica das pessoas em um certo ambiente não revela motivos, as origens daqueles movimentos.
Conhecer a história é dar conta dos caminhos no espaço-tempo que levaram pessoas a seus entendimentos de mundo, desejos, dores e amores que são consequências de sua história. Especialmente quando se pretende observar do ponto de vista de grupos, de tribos e não na perspectiva do indivíduo em si –que pode mudar muito em outros cenários.
Cada tribo presente em um ambiente resulta de uma construção histórica. Não é por acaso que surgiram punks na Inglaterra, hippies nos EUA ou milícias no Brasil. A formação de um povo se reflete no seu comportamento presente e define parte do contexto que habilita [ou não] os processos de mudança de hábito no futuro. E, vez por outra, a história se repete.
Na construção de cenários para inovação deve-se tratar o tempo como um mecanismo de criação de oportunidades. No passado de um certo ambiente pode estar a chave para que se entenda movimentos presentes e as tendências futuras das pessoas que o frequentam.
Nesse ponto do nosso texto, um cenário é a combinação do ambiente, suas características geográficas e suas construções históricas. Estas últimas devem ser entendidas, como as outras dimensões do cenário, em sua forma mais ampla: a história não é necessariamente o que aconteceu de verdade, mas uma combinação da realidade passada com a percepção e o entendimento, pessoal e coletivo, do que “aconteceu”.

a cultura
explicando o cenário
As características geográficas e históricas complementam o ambiente, explicitando muitas razões pelas quais as pessoas se comportam de uma ou outra maneira, abrindo caminhos para o entendimento da cultura local, lembrando que uma das definições de cultura é “a transmissão de informação entre pessoas, em um dado contexto”.
Cultura é uma palavra chave para a formação –e entendimento- do cenário para inovação, para entender o comportamento das pessoas, seus hábitos, os objetos com os quais se relacionam, suas aspirações e capacidades [hiper]localizadas no espaço e tempo.
Os elementos essenciais que explicam um cenário estão no caldo de cultura que o cerca. É preciso observar os contornos culturais nos quais as pessoas estão inseridas para identificar oportunidades e, mais do que isso, para propor hipóteses inovadoras adequadas aos seus rastros culturais. Mas desconfie, sempre, de não ter entendido tudo. É por isso mesmo que o processo de inovação envolve hipóteses e não certezas; uma parte da cultura se revela, por exemplo, no processo de experimentação e evolução das hipóteses, em muitos casos.
Cenários para inovação são o contexto para encontrar pessoas, entender comportamentos e hábitos e descobrir oportunidades para inovar. Inovar para quem frequenta o ambiente, e não para o ambiente em si. E mercados, você sabe- são redes de pessoas. Sempre.
Concluímos nosso entendimento de cenário para inovação como a conjunção do ambiente e suas características geográficas, históricas e culturais, uma visão ampla de um espaço-tempo que permite explicar as pessoas que frequentam –ou deveriam frequentar- o cenário.
